No início do século XXI o debate sobre as Políticas Afirmativas se intensificou no âmbito das Universidades brasileiras e as cotas passaram a ser discutidas na comunidade universitária e órgãos colegiados. O princípio que norteava o processo era promover igualdade de acesso ao Ensino Superior para as minorias raciais e étnicas, entre as quais se inserem os indígenas Kaiowá e Guarani, uma população significativa de povos originários que habita a região sul do estado de Mato Grosso do Sul.
Foi nesse contexto que a Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), instituição de ensino superior pública, regida em âmbito estadual, passou a discutir em seus Conselhos Superiores uma maior inserção dos indígenas em seus cursos.
A população do estado de Mato Grosso do Sul, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2010), se constitui de 2.449.341 (dois milhões, quatrocentos e quarenta e nove mil e trezentos e quarenta e um) habitantes, sendo que dentre estes 2,99% são indígenas.
Os povos originários em Mato Grosso do Sul representam a segunda maior população do país num total de 73.295 índios que perfazem 8,96% do país. As etnias Kaiowá e Guarani têm seu território localizado no cone sul do estado de Mato Grosso do Sul, ocupando principalmente a bacia hidrográfica do Rio Paraná que banha os municípios de Dourados, Amambai, Caarapó, Juti, Antônio João, Coronel Sapucaia, Laguna Carapã, Ponta Porã, Rio Brilhante, Maracaju, Sete Quedas, Eldorado, Iguatemi, Japorã, Bela Vista, Paranhos.
O Censo de 2010 informa que a população Kaiowá e Guarani é composta de aproximadamente 50 mil habitantes, distribuída por mais de 30 aldeias (LANDA, 2014).
Partindo dessa percepção e na conjuntura em questão, no ano de 2002 foi sancionada a Lei Estadual nº. 2.589, que determinou a reserva de 10% das vagas para alunos indígenas, na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Essa legislação foi regulamentada pelo Estado, ouvidas as lideranças dos movimentos indígenas e a comunidade acadêmica, em todos os cursos oferecidos nas 15 Unidades Universitárias situadas nas cidades de Amambai, Aquidauana, Campo Grande, Cassilândia, Coxim, Dourados, Glória de Dourados, Ivinhema, Jardim, Maracaju, Mundo Novo, Naviraí, Nova Andradina, Paranaíba e Ponta Porã (Idem).
Foi a partir do vestibular de 2003 que os estudantes indígenas passaram a concorrer, entre seus pares, nos vestibulares da UEMS e a ingressar no ensino superior público estadual de Mato Grosso do Sul. Embora a divulgação da adoção dessa política afirmativa, ainda assim a procura inicial foi muito tímida e as inscrições não ocorreram no número esperado, haja vista a quantidade de estudantes indígenas registrados pelo censo escolar da Educação Básica, no estado de Mato Grosso do Sul.
Assim, no intuito de apresentar a evolução da inserção dos indígenas no Ensino Superior em Mato Grosso do Sul, foi feito um recorte espacial por meio do qual selecionamos o município de Amambai/MS, que conta, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2010), com uma população indígena de 7.158 habitantes, bastante significativa se levarmos em conta que a população de Amambai, por esse mesmo censo foi de 34.730.
Segundo dados levantados anteriormente e já publicados “Além dos indígenas que habitam as reservas e Aldeias do município, há que se considerar a população urbana e a das cidades circunvizinhas que também concentram grande número de indígenas” (FACHIN, 2017, p. 194).
No ano da adoção ao sistema de cotas na UEMS, na Unidade Universitária de Amambai, em 2003 passou a ser ofertado o curso de História e em 2008 o curso de Ciências Sociais, ambos, licenciaturas visando atender a demanda por professores dessas áreas na Educação Básica. Os levantamentos feitos pela Secretaria Acadêmica da Unidade demonstram que no primeiro ano da adoção de cotas pela UEMS, em Amambai não houve procura e que apenas em 2004 ingressaram dois estudantes indígenas no curso de História.
No ano de 2005 apenas um indígena ingressou e no ano de 2006 não houve nenhum ingressante, voltando a ter uma matrícula no ano de 2007. Importante ressaltar que o regime de cotas é uma forma de acesso ao Ensino Superior, que não garante por si só a permanência desses estudantes, que precisam se deslocar, não raro mais de 50 quilômetros de suas moradias até a Universidade, todos as noites, visto que estamos falando de cursos noturnos.
Embora todas as dificuldades, no ano de 2008, no curso de História ingressaram seis estudantes, três em História e três em Ciências Sociais, no seu primeiro vestibular. Foi a partir de 2008 que, na Unidade Universitária de Amambai, dois cursos passaram a ser ofertados, concomitantemente.
No ano de 2009 foram matriculados cinco estudantes indígenas no curso de História e nenhum em Ciências Sociais, já em 2010 uma matrícula se efetivou em História e quatro em Ciências Sociais. No ano de 2010 a UEMS se credenciou no Sistema de Seleção Unificada (SiSU), programa criado pelo governo federal, gerenciado pelo Ministério da Educação (MEC), que seleciona candidatos participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), para ingressar nas universidades federais e estaduais.
Nos anos de 2011, 2012 e 2013 também não houve número expressivo de matriculados, sendo três em História e quatro em Ciências Sociais, quatro em História e nenhum em Ciências Sociais, quatro em História e três em Ciências Sociais, respectivamente.
Nos anos subsequentes o crescimento das matrículas dos estudantes indígenas foi significativo, a partir de 2014 nove estudantes ingressaram nos cursos ofertados na Unidade Universitária de Amambai, quatro em História e cinco em Ciências Sociais. Em 2015, foram dez ingressantes, cinco em História e cinco em Ciências Sociais, em 2016 seis ingressaram em História e nove em Ciências Sociais.
Mas foi em 2017 que a evolução se mostrou realmente consolidada, ingressaram neste ano nove estudantes indígenas no curso de História e oito em Ciências Sociais. E em 2018 tivemos dezesseis alunos indígenas matriculados em História e dezenove em Ciências Sociais.
Atualmente contamos com 58 estudantes indígenas matriculados e frequentando os cursos de História e Ciências Sociais, são alunos dedicados e assíduos, embora dependam do transporte propiciado pelas Prefeituras de Amambai, Tacuru e Coronel Sapucaia que, muitas vezes não circulam devido as diversidades dos calendários letivos e/ou feriados municipais. O que podemos ressaltar é que o sistema de cotas possibilitou a população originária, acesso a Universidade, considerando que é uma população significativa, constituída em grande parte por jovens, que ocupam as áreas de reserva próximas às cidades, convivendo diariamente com a população não índia, o que propicia condições para que busquem no Ensino Superior tendo “[...] como provável explicação a necessidade destes na formação de lideranças com aquisição de conhecimentos fundamentais, que possam ser utilizados na defesa dos direitos indígenas [...]” (CORDEIRO, 2008, p. 41), dando-lhes visibilidade e oportunidade de procurarem melhores condições de vida por meio da Educação.
Referências bibliográficas
CORDEIRO. M. J. J. A. Negros e Indígenas cotistas da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul: desempenho acadêmico do ingresso à conclusão do curso. São Paulo. PUC. 2008.
FACHIN, V. S. Revista Desenvolvimento, fronteiras e cidadania, vol. 1, nº. 1, pp 182-204, jul/2017.
LANDA, B. S.; VIANA, F. L. B.; AUGUSTO, E.; FERREIRA, E. M. L.; AGUILERA, H.; A. Indígenas no Ensino Superior: as experiências do programa Rede de Saberes, em Mato Grosso do Sul, 1. ed. RJ: Editora E-papers, 2014. 192p.
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